LEPH - Revista Me Conta Essa História Out. 2021 Ano I Nº 010 ISSN - 2675-3340 UFJ.
Por Natália Alves de Almeida; Ana Lorym Soares
[1] Estudante, Unidade Acadêmica Especial de Ciências Humanas e Letras, natyalves928@gmail.com.
[2] Orientadora, Unidade Acadêmica Especial de Ciências Humanas e Letras, analorym@gmail.com.
RESUMO
Neste texto, analisamos como noções de temporalidades identificadas pela teoria da história – passado, presente, futuro, presentismo, memória, nostalgia, distopia etc. – podem estar presentes no ensino de História. Para isso, dialogamos com autores diversos do campo da teoria da história, como: François Hartog, Reinhart Koselleck, Rodrigo Turin que nos possibilitam compreender melhor os conceitos e temporalidades presentes na nossa contemporaneidade. Nas últimas décadas, autores desse campo indicam que estamos passando por uma mutação na percepção da dimensão temporal, que interfere nas formas tradicionais de perceber a relação entre passado/presente/futuro, o que necessita ser constantemente investigado e refletido. Além disso, analisamos fontes como manuais de história, Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’S) e Base Nacional Comum Curricular (BNCC), de modo a percebermos como noções de temporalidades são apresentadas – ou não – nesses materiais didáticos voltados ao ensino básico. O intuito é mapear quais conceitos temporais estão presentes e como eles são apresentados aos estudantes do ensino básico, o que nos ajuda a problematizar a abordagem desse tema tão fundamental para a educação histórica e para a formação cognitiva e crítica sobre o tempo em que vivemos. Por outro lado, a análise dessas fontes nos permite pensar estratégias e orientações didáticas alternativas ou complementares para o ensino de conceitos e noções de historicidade na educação básica. Por fim, reforçamos a pertinência da parceria entre os campos da teoria da história e do ensino de história, vistos muitas vezes como dicotômicos na formação das professoras e professores de História.
Palavras-chave: temporalidades, multiplicidade, ensino de história, formação de professores, teoria da história.
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, vários teóricos da teoria da história têm percebido que houve mudanças nas nossas percepções convencionais da dimensão temporal – presente, passado e futuro. Conceitos como, nostalgia, memória, presentismo e distopia estão cada vez mais presentes na forma com a qual lidamos com o tempo, já que perdemos nossas antigas orientações em como lidar com o tempo. As sociedades ocidentais, após todas as transformações do século XX, deixaram de colocar no futuro esperanças de dias melhores, e agora olham para o futuro com medo e desesperança, porque não há mais estruturas solidas para se lidar com o tempo. Esses conceitos, pelo fato de estarem presentes na nossa vida cotidiana, também se fazem presentes no ensino escolar e é necessária uma discussão sobre como eles se conectam.
Os conceitos que foram analisados, foram concebidos e discutidos por vários teóricos da teoria da história e são de extrema importância para a mesma, pois uma vez que nossas percepções temporais estão em constante mudanças, o fazer histórico e a construção de narrativas também sofrem mudanças. Com isso, reforçamos o quão fundamental é a teoria da história para o ensino da disciplina, e como as duas são sempre vistas muito distante uma da outra, como se não pudessem trabalhar juntas, o que não é verdade, pois, considerando o ambiente escolar como de questionamento e de construção de narrativas históricas e de disputas de memória e poder, é a partir da teoria da história que nos questionamos para quem a história é feita, como é feita e por quem é feita, então é necessário sempre trazer os questionamentos e discussões da teoria da história para o ensino de história, e em como seus questionamentos são importantes para a construção de uma mentalidade mais crítica nos alunos.
Fundamentos teóricos e metodologia: o trabalho com as temporalidades históricas
A metodologia utilizada é a história dos conceitos e nesse projeto foram analisados vários conceitos de autores diferentes para que possamos observar as diferentes formas com qual cada um trabalhou com a questão do tempo e suas multiplicidades. Utilizamos Rodrigo Turin(2017, 2019) para que possamos compreender como o nosso presente é marcado por traumas e por feridas históricas que faz com que ambientamos esse tempo ferido e de como há diferentes temporalidades que nos cercam e que nos esmagam, o que ele chama de cotemporalidade, utilizamos Zygmunt Bauman(2017) e Svetlana Boym(2017) para compreendermos o conceito de nostalgia e em como ela está presente na nossa sociedade atual, na medida em que a não compreensão de como ocorreu os eventos históricos cria um desejo profundo de retornar a algo que nunca existiu, para compreendermos o conceito de heterocronias e a pluralização do tempo histórico foi utilizado a produção do historiador Marlon Salomon, além de alguns teóricos mais clássicos sobre o assunto, como François Hartog e Reinhart Koselleck.
As temporalidades históricas e suas multiplicidades
É fato que os seres humanos sempre mantiveram uma relação com o tempo, todos os períodos da história representaram, de alguma forma, o tempo, desde os Gregos, com seu tempo cíclico, até nossa contemporaneidade, tomada por múltiplas formas de se lidar com tempo. “Toda concepção de história é sempre acompanhada de uma certa experiência do tempo” (AGAMBEM, 2008, p 111), ou seja, não há processos históricos sem pensar o tempo. Essa é uma das questões que mais inquietam o ser humano, e nos últimos anos a historiografia tem se preocupado mais intensamente com a questão temporal. Isso ocorre porque desde o século XX o mundo assistiu transformações que mudaram suas relações com o tempo, aquele tempo linear se desfez, dando lugar a diversas temporalidades, nas palavras de Marlon Salomon.
Já há algumas décadas, o tempo histórico pluralizou-se. Ele declinou do singular por meio do qual os historiadores habituaram-se a reconhecê-lo e irrompeu em novas formas, múltiplas, variadas, policrônicas. Era preciso, a partir de então, apresentá-lo no plural e procurar falar em tempos históricos.” (SALOMON, 2018, p. 9).
Os diversos teóricos que fizeram análise sobre conceitos temporais produziram uma intensa relação da nossa mudança de percepção temporal com a modernidade. Em primeira análise, o iluminismo configurou na sociedade esperança de dias melhores, sendo o século XVIII marcado por visões utópicas de como a sociedade seria no futuro, o progresso orientava a sociedade, além disso, é desse momento que nasce a concepção de que a história é uma linha temporal, tão fortemente presente nas salas de aula, essa concepção não cabe mais nos dias atuais, visto a pluralização do tempo histórico, além disso essa visão linear do tempo exclui outras formas de lidar com o tempo, próprias de outras sociedades, e na nossa contemporaneidade, não é mais possível perceber o tempo apenas como passado presente, presente e futuro, existem vários outros conceitos que agora fazem parte do que experenciamos. O século XX foi o maior responsável por mudar nossas relações com o tempo. De acordo com Hartog, no século XX, há um novo regime de historicidade preponderante nossa sociedade, a sociedade moderna assistiu a ascensão do presentismo, porque o passado causava medo e não se era mais possível conceber o futuro, e nas palavras de Hartog “o passado é, por princípio ou por posição ultrapassado” (HARTOG, 2013, p. 137). Mas a ascensão do presentismo acontece quando em 1989, acontece a queda do Muro de Berlim, caracterizando o século XX como a junção de futurismo e de presentismo, “Se, em primeiro lugar, ele [o século XX] foi mais futurista do que presentista, terminou mais presentista do que futurista” (HARTOG, 2013 p. 140). O que configura o presentismo é o presente alargado, onde tudo é instante, pois se o futuro é algo que a sociedade teme, então ela faz com que ele não exista.
Sendo o presentismo esse presente que se torna absoluto em detrimento do futuro ou do passado, há a nostalgia, que não está ligada ao passado, propriamente, mas que está ligada ao profundo desejo de retornar á algo que fora perdido, um desejo de voltar para a casa, um tempo idealizado em que tudo era melhor. De acordo com Svetlana Boym “Nostalgia é um sentimento de perda e deslocamento, mas é também uma fascinação com a própria fantasia.”(BOYM, 2017, p. 1), enquanto o futuro se tornou algo a temer, a nostalgia mostra um desejo de retorno ao lar que nunca existiu, ao observarmos o conceito de nostalgia, percebemos como nossas percepções de tempo mudaram, ao temer o futuro, procuramos por um lar que nunca existiu, mas de que alguma forma nos daria conforto, idealizamos um lugar onde as percepções de tempo não nos atinge, quando analisamos o conceito de nostalgia conseguimos perceber como a falta de um bom entendimento do passado afeta nosso presente e a construção nosso futuro, visto que, ao negligenciarmos as diferentes narrativas sobre o passado, queremos retornar para ele, mas um passado que não existiu, no caso do Brasil, conseguimos perceber isso quando se fala sobre a escravidão no Brasil ou Ditadura militar, analisando qual passado está sendo representado, quais concepções ele gera e qual o significado a sociedade dá para esses eventos, isso faz com que aconteça os revisionismos históricos, pois nos desprendemos das responsabilidades que temos no presente, buscando incansavelmente esse retorno, que esquecemos que nosso presente tem problemas reais. Nas palavras de Bauman, ao perdermos confiança em futuro promissor, o crucificamos, pois perdemos nossas estruturas sólidas de se pensar o tempo, e além disso ambientamos um tempo marcado por trauma, diante disso a nostalgia surge como esse refúgio:
Agora é o futuro – sua hora de ser crucificado parece estar próxima, depois de ele ter sido aviltado como algo não confiável e não administrável – que está inscrito na coluna dos débitos. E agora é a vez de o passado ser posto na coluna dos créditos – um crédito merecido (genuína ou putativamente), por ele ainda ser um local de livre escolha e um investimento em esperanças até agora não descreditadas. (BAUMAN, 2017, p. 30).
A multiplicidade temporal que abalou a concepção de tempo único e homogêneo se tornou um problema para a historiografia. Diferentemente do século XIX, com sua percepção de história de história cronológica e o século XVII com a emergência das “histórias universais” queria sincronizar diferentes povos em único tempo, mas os movimentos de descolonização quebraram a lógica de tempo único e homogêneo, herdado da tradição iluminista, que colocava a Europa como centro do mundo, o conceito de Heterocronia (acontecimentos de dessincronização) resume bem essa questão, o mundo passou, principalmente no século XX de vários acontecimentos que mudaram as relações com o tempo.
O nosso mundo contemporâneo, cheio de informações , tecnologia e cada vez mais informações faz com que percebamos o tempo de forma diferente, há a sensação de um tempo acelerado, ansioso por mais informação, isso causa na nossa sociedade uma sensação de controle do tempo, mas ao mesmo tempo que ele nos escapa por entre os dedos. Há sempre uma ânsia por inovação, constantes atualizações, e há males do passado que ainda não foram resolvidos. “No caso brasileiro, a sombra duradoura da ditadura, o anticomunismo histérico, concepções religiosas da sociedade e da política, o passado escravista e patriarcal[...]” (TURIN, 2019, p 8), todas essas questões não resolvidas ambienta nossa sociedade e o ensino escolar.
Rodrigo Turin aponta que estamos vivendo um tempo onde há várias demandas sociais, decorridas desses passados não resolvidos, onde as pessoas não ambientam o mesmo tempo, Turin da o nome de cotemporalidade:
“Uma saída possível é pensar a contemporaneidade como uma cotemporalidade, isto é, como uma “concordância de tempos múltiplos”, marcada por uma “multiplicidade não resolvida”. (TURIN, 2019, p. 11)
Diante desse conceito podemos claramente perceber como nosso tempo é dessincronizado, com múltiplas formas de representar o tempo, cheio de informações, na verdade essa multiplicidade temporal é uma forma da sociedade escapar desse tempo que nos esmaga, que escorre por entre nossos dedos, é uma forma que se encontrou para ambientar esse tempo cheio de incertezas, cobranças e desesperança.
As temporalidades e o ensino de história
A teoria da história é de fundamental importância para o fazer histórico, sendo assim, ela deve ser considerada como parte importante do ensino de história, mas é observado o contrário, há uma profunda dicotomia entre teoria/prática, pois por muito tempo, as discussões acerca do ensino eram destinadas a área da pedagogia, mas hoje está mais do que claro que a área da história deve estar preocupada em discutir sobre o ensino de história. O ensino de história pode ajudar a vencer estereótipos ou mantê-los, se não houver uma crítica reflexiva em como a sala de aula também é capaz de produzir narrativas históricas.
Ao observar como os manuais didáticos tratam a questão do tempo para o ensino básico, podemos perceber como as discussões são rasas em relação as grandes discussões que estão sendo feitas pela historiografia, tendo em vista que a construção de tempo e espaço no ensino escolar é de fundamental importância para a formação de identidade e orientação, é preciso que os conceitos emergentes em relação á temporalidade sejam incorporados no cotidiano escolar. Sabemos que assim como a história, o ensino e os currículos escolares são um campo de disputa de narrativas, e ao olhar os discursos negacionistas, revisionistas e conservadores que circulam atualmente no Brasil, em relação à escravidão, ditadura, concepções religiosas, todos esses discursos circulam no ambiente escolar e fazem uso indevido do passado histórico, ambientamos esse presente marcado por trauma e medo, então buscamos formas desse tempo que nos engole, seja revisitando o passado ou querendo retornar á um tempo que não existiu, mas que se considera grandioso.
Observando esses aspectos, fica evidente o quanto o passado e as diversas concepções de temporalidades estão presentes no ensino escolar e também no nosso cotidiano, nas palavras de Luis Fernando Cerri:
“Quanto haverá, então, de passado no nosso presente e em nosso futuro? Em que medida o futuro já está comprometido pelas condições dadas pelo passado e pelas soluções que demos no presente” (CERRI, 2011, p. 21).
Partindo dessas perguntas fica claro que é importante observar o quanto as temporalidades são importantes para a construção da consciência histórica dos alunos, se na sala de aula há a predominância de um passado que não inclua as diferentes demandas sociais, aquele passado será usado pelos alunos, e essa é uma questão cara no que se diz respeito os debates sobre o ensino de história, se ele é inclusivo e se dá conta das demandas sociais do presente, nas palavras de .” (Rodrigo Turin temos,
Os embates ocorridos recentemente no Brasil a respeito do currículo de História durante a elaboração da BNCC são eloquentes em sinalizar o profundo desencontro entre as formas herdadas pela disciplina e as novas demandas e pressões sociais, com suas distintas temporalidades (TURIN, 2017, p. 55).
Os currículos, como espaços de disputa de poder, oferecem uma forma privilegiada de analisar como as pautas sociais são inseridas no espaço escolar, e como as formas dominantes de conhecimento ganham espaço nesses currículos, pois não há inclusão de outras formas de representação do tempo, das civilizações da América, Ásia e África, priorizando apenas as formas ocidentais de se reconhecer o tempo, fortalece a mentalidade de que há civilizações melhores e mais desenvolvidas na história, e é realmente isso que acontece, a história ainda é passada aos alunos como uma linha reta, excluindo agentes históricos, temporalidades outras e possibilidades de um fazer histórico que inclua essas outras formas de representar o tempo.
É preciso que haja esse debate dentro das salas aulas, pois os alunos tem acessos há essas formas de representar o tempo por outros meios, como os midiáticos, que dão seus próprios sentidos aos eventos históricos, pois como diz Sonia Wanderley:
Essas outras narrativas, principalmente as midiáticas, assumem cada vez mais a função de produzir conteúdos hegemônicos, inclusive em relação às temporalidades, influenciando o significado que a sociedade dá a eventos históricos”. (WANDERLEY, 2018, p. 96).
Portanto é necessário um debate histórico dentro de sala de aula para que os alunos sejam orientados acerca desse assunto, que está presente nas mídias.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando que a historiografia tem se preocupado com as questões de temporalidade, fica evidente que o ensino de história também deve se preocupar com essas questões, visto que a teoria da história é uma parte essencial do fazer histórico, pois levanta questões acerca das narrativas, e como e por que o passado é passado, ela deve se aproximar do ensino de história. Além disso, se torna fundamental que os alunos construam um pensamento crítico sobre os tempos históricos que cercam seu presente e que eles se deem conta de que vivem em um tempo ambientado por diferentes formas de representar o tempo, marcado por trauma e feridas históricas que moldam sua sociedade. A parte prática da pesquisa, que consiste na elaboração da um manual didático contendo explicações sobre os conceitos, dicas de filmes, livros e séries que podem ser trabalhadas com os conceitos em sala de aula, com o propósito de ser distribuído para as professores e professores do ensino básico da cidade de Jataí ficou para ser feita durante a segunda vigência do plano de trabalho.
COMO CITAR ESSE ARTIGO
ALMEIDA, Natália Alves de, SOARES, Ana Lorym. Noções de Temporalidades Históricas em Sala de Aula: Uma Proposta Didática. In:. Revista Me Conta Essa História, a.I, n.10, out. 2020. ISSN 2675-3340. Disponível em: https://www.mecontaessahistoria.com.br/post/no%C3%A7%C3%B5es-de-temporalidades-hist%C3%B3ricas-em-sala-de-aula-uma-proposta-did%C3%A1tica . Acesso em:
REFERÊNCIAS
AGAMBEM, Giorgio. Tempo e História. In: Infância e história. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
BOYM, Svetlana. O mal estar na nostalgia. In: hist. Historiogr. Ouro Preto. v 23, 2017, p. 153-165.
CERRI, Luis Fernando. Ensino de história e consciência histórica. Rio de Janeiro: FGV, 2011.
HARTOG, François. Regimes de historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.
SALOMON, Marlon. Heterocronias. Goiânia: Edições Ricochete, 2018.
TURIN, Rodrigo. A polifonia do tempo: ficção, trauma e aceleração no Brasil contemporâneo. In: ArtCultura.Uberlândia. v.19, p. 55-70.
___. Tempos Precários: aceleração, historicidade e semântica neoliberal. 1. ed Dansk. Zazie Edições, 2019. v. 1. 52p
ZYGMUNT, Bauman. A era da nostalgia. In:___. Retrotopia. Rio de Janeiro. Zahar, 2017.
WANDERLEY, Sonia. Didática da história escolar: um debate sobre o caráter público da história ensinada. In: ALMEIDA, Rabêlo Juniele, MENESES, Sônia. História Pública em Debate: Patrimônio, educação e mediações do passado. São Paulo: Letra e Voz, 2018.