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A CATEGORIA DE TOTALITARISMO E SUA INSUFICIÊNCIA TEÓRICA NA COMPREENSÃO DO FASCISMO

LEPH - Revista Me Conta Essa História Jul. 2021 Ano II Nº 019 ISSN - 2675-3340 UFJ.

 

Por Gabriel Maia de Oliveira [1]


[1] Graduando em Direito pela Universidade Federal de Jataí.

 

RESUMO


Este texto tem o intuito de criticar a metodologia de análise da qual partem a categoria de totalitarismo. É sob a lente do marxismo que observamos as falhas da análise Arendtiana e como suas conceituações são gerais e abstratas, sem uma compreensão da totalidade social a partir de um método científico que apreende as objetividades e as especificidades da realidade social. Para isso, precisamos retomar a crítica de Domenico Losurdo sobre o tema e entender a nuclearidade do erro analítico da obra burguesa acerca do fascismo e sua tendência ao igualá-lo ao bolchevismo. Por fim, é feito um paralelo com a própria observação fascista sobre o assunto relacionado ao marxismo e caracterizada sua diferença material com os movimentos socialistas, tanto em prática social, quanto em ideias.

Palavras-Chave: fascismo, bolchevismo, totalitarismo.

 

ABSTRACT


This text aims to criticize the analysis methodology from which the category of totalitarianism starts. It is under the lens of Marxism that we observe the flaws of Arendtian analysis and how its conceptualizations are general and abstract, without an understanding of social totality through a scientific method that apprehends the objectivities and specificities of social reality. For this, we need to resume Domenico Losurdo's criticism on the subject and understand the nuclearity of the bourgeois work's analytical error about fascism and its tendency to equate it with Bolshevism. Finally, a parallel is made with the fascist observation itself on the subject related to Marxism and characterized its material difference with the socialist movements.

Keywords: fascism, bolshevism, totalitarian.

 

A QUESTÃO É O MÉTODO


A todo momento a discussão do método da teoria social é relevante, é voltando à questão do método que compreendemos as falhas que imbuem nossas análises contemporâneas dos mais diversos temas, com o fascismo não é diferente. A terminologia acadêmica atribui ao fascismo diversas categorizações que partem de métodos distintos, a todo momento há de se jogar a ‘’bomba’’ da ditadura fascista no colo de alguma corrente econômica ou política específica, sem entender a singularidade desse fenômeno social em seu contexto histórico e na sua estruturação produtiva, é importante então, que retomemos o método de pesquisa.


Para que a elucidação seja realmente contemplativa e consiga discernir com rigor o processo social fascista diante de diversos acontecimentos provocados por ditaduras e crises ao longo do século XX, precisamos entender antes, como a sociedade capitalista de estrutura, para então entender se realmente o que houve foi ou não uma ruptura com esse modo de produção. Segundo Leandro Konder (1977),

Nem todo movimento reacionário é fascista. Nem toda repressão - por mais feroz que seja - exercida em nome da conservação de privilégios de classe ou casta é fascista. O conceito de fascismo não se deixa reduzir, por outro lado, aos conceitos de ditadura ou de autoritarismo (Pg. 4)

Nesse sentido, é fundamental entender que o ponto de partida da teoria social não deve ser feito em pura abstração e conceitos metafísicos gerais, como no caso do uso de termos como totalitário ou autoritário, temos de entender como ele se estrutura para se manifestar como um regime repressor. No entendimento da totalidade social partimos da realidade concreta e da concepção de que os sujeitos produzem ativamente sua própria história a partir da produção e reprodução da vida, é um processo de autoconstrução, e essa metodologia conta com um olhar objetivo por meio da concretude da vida diária. É por meio dessa análise que entendemos que a história da humanidade é a da história dos modos de produção, a civilização somente se encobre de teorizações pois se estrutura em uma realidade produtiva objetiva, esse é o entendimento da totalidade, o entendimento de que todos os aspectos da vida humana se relacionam dialeticamente e se constroem objetivamente.

Esta concepção da história repousa, portanto, sobre o seguinte: desenvolver o processo efetivo de produção partindo da produção material da vida imediata e tomar como base de toda história a forma de intercâmbio ligada com este modo de produção e engendrada por ele, logo a sociedade civil em seus diversos estágios, e tanto apresentá-la em sua ação como Estado quanto explicar a partir dela o conjunto das diversas produções teóricas e formas da consciência, religião, filosofia moral, etc., e seguir o seu processo de surgimento a partir dessas produções, onde naturalmente também se poderá apresentar a coisa em sua totalidade (e por isso também a ação destes diversos aspectos uns sobre os outros) - (1989, p. 203-204)

Logo, toda a estruturação ideológica se relaciona diretamente com um ponto de partida concreto. A produção da consciência, do direito, da política e do Estado não partem do nada, mas sim de relações sociais concretas e objetivas, o que nos guia para um entendimento muito mais elucidativo do fascismo e do motivo da insuficiência de categorias puramente teóricas, como no caso do totalitarismo. A partir desse panorama, entendemos que é possível, a partir da abstração, uma certa apropriação da objetividade, o que pode nos confundir e manipular a realidade imediata, por isso a necessidade da discussão metodológica, é a partir do método materialista que conseguimos “...captar o real em suas múltiplas determinações e movimentos’’ (SILVA, 2018)


A CATEGORIA DE TOTALITARISMO


As análises burguesas do fascismo são encarregadas de observá-lo não como um fenômeno que se estrutura a partir do modo de produção capitalista e que se estende enquanto existir relações sociais burguesas, mas como um conjunto de ideias incompatíveis com a democracia burguesa que defende a liberdade e a igualdade de todos os sujeitos de direito, pautada em uma moralidade jusnaturalista que defende o indivíduo. Para afastar a ideia de fascismo da análise do modo de produção capitalista, se entende, a partir de uma visão teórica polissêmica, a categoria de totalitarismo. Carl J. Friedrich evidencia a conceituação desta categoria em seu texto Totalitarian Dictatorship and Autocracy, em que diz que,

Essas podem ser descritas como uma ideologia (de Estado), um partido único, geralmente dirigido por um só indivíduo, uma conduta terrorista, o monopólio dos meios de comunicação, o monopólio da violência e uma economia diretamente governada pelo poder central (Pg. 9)

Esta categoria abarca todo tipo de fenômeno político que “apaga a autonomia do indivíduo e o torna parte de uma coletividade opressora’’, são feitas analogias que se prendem a características seleccionadas para estabelecer paralelos abstratos, como na aproximação tendenciosa do bolchevismo ao fascismo a partir da concepção de Estado de partido único, quando as formas sociais desses dois processos políticos são totalmente opostos, tanto em estruturação de poder na sociedade quanto de produção ideológica.

O defeito fundamental da categoria de totalitarismo é transformar uma descrição empírica, relativa a certas categorias determinadas, numa dedução lógica de caráter geral. Não há dificuldades em constatar as analogias entre URSS staliniana e Alemanha nazista; a partir delas, é possível construir uma categoria geral(totalitarismo) e sublinhar a presença nos dois países do fenômeno assim definido; mas transformar esta categoria na chave de explicação dos processos políticos verificados nos dois países é um salto assustador (LOSURDO, 2006, Pg. 65)

Esse termo tem início com teorias liberais, dentre essas teorias, um autor que escreve acerca do assunto é o austríaco Friedrich Hayek, que entrelaça diretamente controle econômico pelo órgão estatal à ideia totalitária. Dessa maneira, desde os jacobinos, os movimentos de 1848 até os movimentos revolucionários e de caráter reacionário, todos se enquadram na mesma categoria: a que, abstratamente, nega o indivíduo em nome de uma coletividade. Nesse sentido, Hayek responsabiliza as organizações socialistas de dar início a esse processo político totalitário quando diz que,

Não foram os nazistas, mas os socialistas que iniciaram o agrupamento das crianças, desde a mais tenra idade, em organizações políticas, de modo a estarem seguros deque elas cresceriam como bons proletários. Não foram os fascistas, mas os socialistas que pensaram, em primeiro lugar, em organizar esportes, jogos, partidas de futebol e excursões em clubes do partido cujos membros não teriam sido infectados por pontos de vista distintos. Foram os socialistas que primeiro insistiram no fato deque estes membros deveriam distinguir-se dos demais pelo modo de se saudarem e de se dirigirem uns aos outros (HAYEK, 76, 1983)

Até mesmo os nazistas se utilizaram desse termo para designar os seus inimigos socialistas. Goebbels explica o discurso antissocialista sob a perspectiva de que o bolchevismo ‘’cancela qualquer resquício de personalidade, transforma os homens em robôs e em robôs de guerra, em robôs mecanizados’’ (GOEBBELS, 1991, pg. 163 e 183). Hitler, autor de Mein Kampf, também se utilizava dessa terminologia para designar os bolcheviques como destruidores da personalidade, da singularidade do indivíduo: “Pelo desprezo categórico da personalidade, por conseguinte da nação e da raça, o marxismo destrói as bases elementares de toda a civilização humana, que depende justamente desses fatores” (HITLER, 248, 1983).

Entretanto, as críticas de Hannah Arendt, das quais a categoria de totalitarismo ganha maior notoriedade intelectual, inicia sua crítica abordando também o ocidente, como no caso de Israel no caso das deportações árabes, mas esse olhar às políticas ocidentais perde força. A terceira parte de Origens do totalitarismo se dedica a identificar quase exclusivamente que é a obra de Marx que inaugura um altar da filosofia da História e que nesse altar se sacrifica a moralidade, no caso, a moral de supremacia do indivíduo.

Os estudos que deram origem à crítica de Arendt ao pensamento de Karl Marx foram iniciados no começo dos anos cinquenta e destinavam-se, originariamente, a investigar os ‘elementos totalitários’ presentes no marxismo. (WAGNER, 2000, p. 17)

Dessa maneira, fica clara a preocupação com a moralidade individualista e liberal, considerado um ponto de partida para se analisar e categorizar processos políticos ao longo da história. O método de Arendt não parte do entendimento da forma social material, mas de atributos abstratos e de categorizações generalizadas, já que, “...tendo-se a esfera produtiva enquanto algo inelutavelmente eivado por alguma espécie de postura intrusiva, dever-se-ia focar naquilo que a autora chama de ação, esta última estando relacionada à pluralidade, à política, e, nunca, à esfera produtiva” (SARTORI, 2016, Pg. 11).

Portanto, a conceituação de fascismo enquanto um regime totalitário não parte de uma análise de suas estruturas materiais, de entendimento do processo histórico em suas especificidades, mas de uma característica histórica selecionada e de uma axiologia aplicada de maneira tendenciosa, já que a observação da autora não engloba os campos de concentração nos EUA durante a segunda grande guerra, com prisioneiros em sua maioria japoneses; as bombas de Hiroshima e Nagasaki; os processos de domínio do território americano e a guerra total que dizimou sua população nativa; o imperialismo inglês na Ásia, etc. Se houvesse a aplicação desses conceitos nesses casos em específico, determinaremos que o berço dos direitos humanos liberais, no caso os EUA, é também uma espécie de Estado totalitário, o uso da força estatal para controle social é evidente em todos esses casos. É aqui que entendemos que o problema dessa categoria é o método. Com a lógica de Hayek e de Arendt, até mesmo o presidente Truman, que desenvolveu uma doutrina com seu próprio nome para o domínio dos povos da América Latina, podia ser associado a ideia de totalitarismo, também, Churchill e Margaret Thatcher, todos podem ser ligados a essa categorização.

Nesse sentido, para se compreender o processo político do fascismo, não podemos nos prender a características isoladas, mas entender esse fenômeno social a partir da observação da totalidade social. “Seria bastante pobre uma definição do Terceiro Reich que se limitasse a pôr em evidência seu caráter totalitário, remetendo em particular ao fenômeno da ditadura do partido único.’’ (LOSURDO, 2006, Pg. 72).


É importante delimitarmos aqui os pontos característicos que determinam o fascismo, como os fatores relacionados à eugenia e a política racial, por exemplo. Precisamos, a partir de um método de análise que entende a especificidade da forma do fascismo, entender esse fenômeno social enquanto parte integrante de uma totalidade e não de uma categorização generalizada com fundamentos morais e gerais.


O FASCISMO E O BOLCHEVISMO: DUAS EXTREMIDADES DISTANTES


A partir dessa categorização abstrata, os teóricos burgueses desenvolvem um paralelo entre o fascismo e a experiência bolchevique, inspirando inclusive teorias atuais, como a teoria da ferradura. Essa tentativa de igualar dois momentos históricos distintos só mostra a insuficiência dessas teorias na compreensão do fenômeno fascista a partir de um método que consiga compreender a realidade social como um todo sem perder o rigor e o entendimento das especificidades de cada fenômeno social.


O fascismo é um processo que se dá de maneira material e não somente ideológica. É importante entender que seu espectro ronda a sociedade no momento do que Gramsci vai chamar de Revolução Passiva, em que as forças da antiga matriz social permanecem enquanto as forças produtivas se transformam fundamentalmente, o que resulta muitas das vezes no processo de crise orgânica, uma crise econômica somada a um declínio da hegemonia burguesa, uma espécie de crise de autoridade que cria possibilidades diversas de saída desse momento, inclusive a saída revolucionária ou até mesmo contra revolucionária, no caso do fascismo.

Se a classe dominante perde o consenso, ou seja, não é mais ‘dirigente’, mas unicamente ‘dominante’, detentora da pura força coercitiva, isto significa exatamente que as grandes massas se destacaram das ideologias tradicionais, não acreditam mais no que antes acreditavam, etc. A crise consiste justamente no fato de que o velho morre e o novo não pode nascer: neste interregno, verificam-se os fenômenos patológicos mais variados. (GRAMSCI, 2002, Pg. 184)

Nesse sentido, o fascismo se constrói na passagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista e conta com uma milícia armada para o controle direto do Estado com discursos que instrumentalizam a fraseologia revolucionária, dando uma ideia de novo, de revolução, de mudança, quando na verdade sua prática beneficia o grande capital e aprofunda as relações capitalistas a partir da manutenção da propriedade privada, e com isso, da subjetividade jurídica que constitui a forma jurídica capitalista. Não há aqui uma observação material de transformação da realidade social a partir de sua forma, uma transformação ao ponto de chegar a abolir a estrutura capitalista por meio da tomada dos meios de produção e da abolição da propriedade privada destes, o fim da desigualdade social não é preocupação do fascista, na verdade, é o fundamento do funcionamento da sociedade idealizada pelo discurso tradicionalista e xenófobo do fascismo clássico. Enquanto em países como na URSS se observa a socialização dos meios de produção a partir de uma construção da ditadura do proletariado, a construção do fascismo se dá por meio de uma ditadura capitalista, mas não só isso, uma ditadura contra revolucionária e organizada com milícias armadas que atuam por baixo dos panos em benefício do Estado de exceção e do lucro das grandes corporações capitalistas, tudo isso sob um discurso agitador de massas, construtor de um partido forte e popular até mesmo em setores das classes subalternas.

A burguesia, mesmo a mais liberal, está pronta para fechar um acordo com qualquer um que lhe convenha, com qualquer condotiero (miliciano), bastando que seja capaz de salvar sua sagrada propriedade. O fascismo entra em cena no papel desse salvador. (PACHUKANIS, pg. 38, 2020)

O bolchevismo é um movimento de trabalhadores, o fascismo é um movimento sem matriz de classe, mas que atua em benefício da burguesia. O bolchevismo é um movimento que tem respaldo teórico científico, o fascismo se fundamenta num misticismo chauvinista como forma de destruir a crise de hegemonia burguesa e cooptar as massas a um discurso voltado não para a classe, mas para a ideia abstrata de nação.


Por fim, o fascismo e o bolchevismo têm diferenças materiais fundantes que não deixam se igualar, a subjetividade jurídica tão preservada em ditaduras do capital, é totalmente erradicada em transformações sociais radicais de caráter bolchevique, o direito passa por um processo de superação, enquanto no fascismo é um instrumento fundamental para a articulação da opressão social e da violência como arma política.


O FUNDAMENTO DAS IDEIAS FASCISTAS E SUA DISSOCIAÇÃO DO BOLCHEVISMO


O fascismo também se constrói no discurso e este é produzido por meio de teorizações metafísicas, chauvinistas e que engrandecem o passado e condenam a maior parte dos valores modernos, muitas vezes colocados na categoria de degeneração, todas essas críticas retiradas de doutrinas formuladas por correntes já existentes. A fundamentação teórica fascista nos âmbitos cultural, jurídico e político se deram sob três alicerces principais: a) Corporativismo de Estado; b) Chauvinismo e o mito da romanidade; c) Valores morais conservadores associados à nação e a raça romana. Esses fatores constituem uma ideia de consolidação de uma suposta via política em alternativa da política moderna materialista, uma filosofia do Estado e do direito dissidente que enxerga uma nova forma de construir o Estado sob alicerces valorativos tradicionalistas.


Outro campo dos teóricos burgueses quer ver no fascismo não algum tipo de fenômeno transitório, não apenas algo relativo, que pode ser tomado em comparação ao bolchevismo ou negado junto a ele (como no caso dos burgueses que semeiam a categoria do totalitarismo), mas, pelo contrário, uma filosofia do Estado, um novo tipo de Estado, ao qual está assegurado o mais amplo e longo futuro (PACHUKANIS, 2020, Pg. 27).


A análise traçada pelo discurso fascista tem suas raízes em uma ilusória guerra de valores da tradição com o mundo moderno e “degenerado”. O mito fascista elabora ideias e análises fundantes que fazem com que uma parte da sociedade se identifique como um grupo livre da degeneração moderna como aqueles que não se renderam à dissociação dos valores tradicionais, designando aqui as organizações fascistas, e o resto da sociedade, que na análise de Julius Evola, um nome que representa um dos alicerces do pensamento fascista, é principalmente a sociedade ocidental. Segundo o autor “o homem dos dias atuais perdeu todas as possibilidades de contacto com a realidade metafísica, com o que está antes dele e atrás dele” (EVOLA, 1989, p.464), referindo-se à ancestralidade e aos valores tradicionais, que segundo ele, foram abandonados por um mundo corrompido.


A partir dessa formulação, as ideias fascistas pregam a construção de uma forma de resistência de um grupo de pessoas “sãs” num mundo corrompido por ideias “degeneradas”, que destoem a sociedade do caminho correto, do caminho do bem, da tradição, dos costumes culturais de seus antepassados, da glória e da honra. Os fascistas seriam esses precisamente os que não se misturam com ideias modernas, como no caso bolchevismo, da adaptação moderna das religiões num geral, da luta pela igualdade de gênero ou mesmo pela extinção deste em vertentes mais radicais do feminismo, essas concepções são tidas como a degeneração das mulheres e a destruição da família tradicional. Segundo o autor, os tradicionalistas são muitas vezes lobos solitários, com visões dissidentes do domínio da degeneração,

À margem das grandes correntes do mundo, existem ainda hoje homens ancorados nas terras imóveis. Geralmente são desconhecidos que se mantêm fora de todas as encruzilhadas da notoriedade e da cultura moderna. Mantêm as linhas de orientação, não pertencem a este mundo (...) Graças a estes homens, a tradição apesar de tudo encontra-se presente, há algo que liga sempre o mundo ao mundo superior (EVOLA, 1989, p.470)

Evola ainda destaca o seguinte “preocupemo-nos só com uma coisa: manter-nos de pé num mundo de ruínas” (EVOLA, 1989, p.470), se referindo às ruínas como a degeneração e a decadência moderna, deixando clara a configuração ideológica nacional fascista de “organização de resistência contra as pragas modernas”. É assim que se enxergam os movimentos paramilitares e o partido de massas fascista, a dramaturgia e a teatralidade evidenciados aqui fazem parte de um discurso puramente ideológico, que inverte a realidade originalmente material e transfere a causa dos problemas sociais a uma crise dos valores da tradição, a uma crise espiritual e metafísica.

O bolchevismo, por outro lado, surge como um movimento de massas contra as opressões materiais e representando uma revolução operária com lideranças voltadas para a construção da ditadura do proletariado, termo que dispensa profundas explicações.

Bolchevismo é uma forma de sociedade sob a qual nem raça, ou cor, religião ou língua fazem um membro de qualquer grupo recear ser perseguido ou ficar em situação de desvantagem. Como não existe apenas uma língua oficial na União — tampouco como na Suíça — a estupidez de um nacionalismo, julgando sua língua ou seu país o melhor do mundo, torna-se duplamente aparente. Como cada raça tem direito à sua própria cultura, hábitos estrangeiros são estudados com grande interesse e muitas vezes adotados. (LUDWIG, 1943, p.46)

Os aspectos que levam à construção de um ideário voltado para uma análise pobre e equalizadora desses dois fenômenos políticos são superficiais, como no caso do uso da violência, nem se dá ao trabalho de entender a diferença entre as violências de classe, de Estado e as violências revolucionárias, suas motivações e implicações históricas. Sobre essa questão, Frantz Fanon nos elucida dizendo que,

A violência eleva o povo à altura do líder. Daí essa espécie de reticência agressiva em relação à máquina protocolar que jovens governos se apressam em instalar. Quando participaram, com violência, da libertação nacional, as massas não permitem a ninguém se apresentar como “libertador”. Elas se mostram zelosas do resultado de sua ação e se abstêm de confiar a um deus vivo o seu futuro, o seu destino, o destino da pátria. (Fanon, 2002, p.112)

A partir do entendimento real das diferenças de motivação e de aplicação prática das orientações políticas do fascismo e do bolchevismo, tudo que temos a fazer é nos guiar por metodologias que analisam o ser social considerando os aspectos que foram negligenciados pela categoria de totalitarismo e todos seus teóricos que influenciam a criação de teorias derivadas, como a teoria da ferradura, que iguala o antifascismo ao próprio fascismo se baseando em um discurso liberal maniqueísta, em que a violência é sempre descontextualizada e todo movimento social de resistência às opressões de classe é automaticamente desmerecido e deslegitimado.

 

COMO CITAR ESSE ARTIGO


OLIVEIRA, Gabriel Maia de. A Categoria de Totalitarismo e Sua Insuficiência Teórica na Compreensão do Fascismo. In:. Revista Me Conta Essa História, a.II, n.19, jul, 2021. ISSN 2675-3340. Disponível em: . Acesso em:

 

REFERÊNCIAS


EVOLA, Julius. Revolta contra o Mundo Moderno. 1989, Editora Dom Quixote, Lisboa Codex – Portugal.


FANON, Frantz. Os condenados da Terra. Juiz de Fora: Editora: UFJF, 2002.


GOEBBELS, Joseph. Reden 1932- 1945, a cura de Helmut Heiber (1971-72), Gondrom, Bindlach, 1991, Vol. II.


GRAMSCI, Antonio (2002). Cadernos do Cárcere, vol. 3. 2ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.


HAYEK, Friedrich. Os Fundamentos da Liberdade. 1983, Editora Visão, SP.


HITLER, Adolf. Minha Luta. São Paulo: Editora Moraes, 1983;


KONDER, Leandro. Introdução ao fascismo. Rio de Janeiro: Edições do Graal, 1977


LOSURDO, Domenico. Para uma crítica da categoria de totalitarismo. 2002, tradução de Maryse Farhi, notas de editoria de João Quartim de Moraes, Crítica marxista.


LUDWIG, Emil. Stálin. Editorial Calvino, 1943, SP.


MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. In: FERNANDES, Florestan (Org.). Marx e Engels: história. 3. ed. São Paulo: Ática, 1989


PACHUKANIS, Evgeni.B. Fascismo. 2020. SP. Boitempo editorial


SARTORI, Vitor. HANNAH ARENDT E OS ELEMENTOS TOTALITÁRIOS DO MARXISMO: DA CIÊNCIA SOCIAL À CRÍTICA DE TONALIDADE TEOLÓGICA. TEXTOS E DEBATES, Boa Vista, n.29, p. 7-14, jan./jun. 2016

SILVA, Christiane Pimentel. O método em Marx: a determinação ontológica da realidade social. Universidade Federal do Pará, Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Instituto de Ciências Sociais Aplicadas, Belém/PA, Brasil. 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-66282019000100034&tlng=pt. Acesso em: 25 de mar. 2021


WAGNER, Eugênia Sales. Hannah Arendt e Karl Marx: o Mundo do Trabalho. São

Paulo: Ateliê, 2000.

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